Dr. Leopoldo, médico
aposentado e exemplar chefe de família, tinha muito orgulho de ocupar o posto
de sindico do edifício em que morava há mais de trinta anos. Foi um dos
primeiros moradores, tendo sempre feito questão de estar ciente de todas as
questões do condomínio e nos últimos dez anos, com intuito de preencher o tempo
após ter se aposentado, resolveu se candidatar a sindico tendo sido eleito por
unanimidade seguidamente.
Dr. Leopoldo vivia sozinho
em um amplo apartamento de quatro quartos na Tijuca, que fez questão de
conservar, por mais que seus três filhos tivessem insistido para ele vender e
se mudar para um menor, quando ficou viúvo, mas ele dizia que seria bom manter
o apartamento grande para quando os filhos viessem lhe visitar com os netos e
noras, o que só acontecia no Natal e raramente no dia dos pais e mesmo assim para
seu pesar, embora nunca demonstrasse qualquer tipo de insatisfação, nunca
dormiam por lá. Depois de alguns anos, os filhos desistiram de tentar fazer com
que o pai se mudasse.
As atividades de sindico
preenchiam o tempo daquele homem solitário e ainda cheio de energia. Estava
sempre à frente de tudo que se passava no prédio, havia conseguido reduzir as
contas do condomínio, resolvia qualquer problema a qualquer hora do dia ou da
noite, os moradores nunca estiveram tão satisfeitos com um sindico e ele se
sentia realizado em suas funções. Tudo corria muito bem até que um novo morador
chegou e começou a fazer uma obra interminável causando alguns transtornos.
As reclamações começaram
pelo vizinho do apartamento 901 que teve seu quarto inundado por um vazamento
da obra do andar de cima. Se isso já era um problema, mais grave ainda ficou
pelo fato ter ocorrido às três horas da madrugada não tendo o morador hesitado
em bater a porta do sindico em busca de uma solução. - Dr. Leopoldo... Desculpe-me
pela hora, mas como pode ver temos um problema, o senhor tem que vir comigo
agora... Dizia o morador apontando para si mesmo efusivamente. O sindico
que ainda tremia pelo susto de ter sido acordado no meio da madrugada, não
entendeu bem o que aquele homem de pijama e completamente molhado fazia em pé a
sua porta tentando lhe convencer a ir com ele sabia-se lá pra onde. -Mas o que há de tão grave? O que foi que
houve? Habílio, o morador do apartamento 901, não deu chance ao sindico de recuar
e o agarrou pelo braço e praticamente o arrastou até seu apartamento, dizendo
que ele tinha que ver com sues próprios olhos o que estava acontecendo. Ao
chegarem, a água já estava por todo o apartamento, mas já tinha parado de vazar
pelo teto do quarto e finalmente o sindico pode entender o desespero do morador
que lhe informou que acordou com um jato de água sobre ele e que antes de ter
ido acordá-lo tentou por várias vezes, mas sem sucesso, contato com o vizinho
de cima. –Estou indo lá agora ver o que
se passa... Dr. Leopoldo partiu em direção ao apartamento 1001 seguido pelo
Sr. Habílio. Pensou por um momento que não deveria devido à hora, mas não tinha
outra solução tinha que tocar a campainha, blim
blom... - Boa noite, a que devo a honra da visita? Querem entrar? O morador
do apartamento 1001 atendeu a porta, enrolado em uma toalha, comendo um enorme
sanduiche e nem parecia que estava no meio da madrugada, dado a naturalidade
com que recebeu seus visitantes. O sindico pediu desculpas e explicou o que
estava acontecendo e que precisava de autorização para verificar se havia algum
problema com a obra que pudesse ter causado o vazamento. Nicolau, era o nome do
morador do apartamento 1001, olhou por cima do ombro do sindico e deu de cara
com Habílio de pijamas ainda molhado e imaginou que deveria ser seu vizinho de
baixo e caiu na gargalhada, -
Hahahaha..., nossa eu te acordei? Desculpe... Pelo visto não deu muito certo. Habílio
que já estava com os nervos à flor da pele e sem entender qual era a graça,
quase partiu para cima do vizinho com um belo soco se não fosse o sindico ter intervindo.
– Tá rindo do que? Não tem graça
nenhuma... Nicolau percebeu sua inconveniência, pediu desculpas e os
convidou para entrarem para que pudessem ver do que estava falando e os o dois
o seguiram até o banheiro. – Como os
senhores podem ver, eu fiz uma pequena obra. Mudei alguns cômodos de lugar...
troquei o banheiro com o quarto, à sala com a cozinha... E agora estava
acabando de testar o banheiro, com meu primeiro banho e ia começar a testar
minha cozinha nova. Querem um cafezinho?... O sindico perplexo, olhava para
Nicolau que estava na maior calma do mundo e o interrompeu bruscamente,
deixando de lado sua calma e cordialidade de sempre. - Não se atreva a abrir mais nenhuma torneira desse apartamento ou
terei que tomar medidas legais contra o senhor. Vamos esperar amanhecer o dia
para ver o que vamos fazer para consertar os estragos causados por essa sua obra
desastrosa... Nicolau passou da aparente tranquilidade para a hostilidade e
foi partindo para cima do sindico e do vizinho do andar de baixo os colocando
para fora do apartamento. – Escuta aqui o
Sr. Sindico, na minha casa mando eu entendeu?
O Sr. manda é no prédio, no meu apartamento não! Ninguém vai entrar aqui
para dizer o que eu tenho ou não que fazer com minha obra, que está um
espetáculo... E quer saber do que mais? Vou continuar testando todas as
torneiras, que por sinal são lindas e me custaram uma fortuna. Dr. Leopoldo
e Habílio ficaram estupefatos do lado de fora sentindo o trepidar da porta
batida com violência. – E agora Dr.
Leopoldo, o Sr. Não vai fazer nada? Esse louco vai destruir meu apartamento e
os dos andares de baixo também se continuar a jorrar essa água toda em
limites... O morador do apartamento 901 estava aos berros no corredor e o
sindico tentou acalmá-lo antes que acordasse todo o prédio, dizendo que fosse
para casa que providências imediatas seriam tomadas e assim Habílio foi para
seu apartamento, embora contrariado e desconfiado, cuidar de secar toda aquela
água.
Antes das sete horas da
manhã o interfone do sindico começou a tocar, o que ele já esperava que fosse
acontecer. – Bom dia, Dr. Leopoldo, é o
Valdemar..., era o porteiro da manhã, -
Dr. tem um monte de morador aqui na portaria reclamando que não tem água no
prédio... Eu disse a eles que o Sr. Mandou fechar, devido a um probleminha, mas
eles querem saber quando é que vai abrir. Eu já não sei mais o que fazer, cada
hora chega mais um aqui... O sindico respirou fundo e pediu ao porteiro
para avisar que ele já ia descer. – Calma
minha gente que o Dr. já está descendo aí...
-
Bom dia senhores, parece que temos um contratempo...
Os moradores estavam enfurecidos e se pudessem tinham voado no pescoço do
sindico. - Contratempo? O Sr. Chama isso
de contratempo? Tenho que trabalhar e não pude nem escovar os dentes... Não tem
água nos banheiros, na cozinha... Como o
Sr. fecha tudo dessa maneira sem avisar? D. Marlene moradora do apartamento
201 era uma das mais exaltadas e por mais que o marido, Sr. Ernesto, tentasse
fazê-la se acalmar e escutar as explicações do sindico não adiantava ela
continuava a gritar. Dr. Leopoldo, parecendo refeito do susto da madrugada e de
posse de sua calma e cordialidade de sempre, esperou que a senhora em questão
acabasse com seu desabafo e explicou o que estava acontecendo e disse que não
lhe restou outra opção a não ser fechar a água até que se encontrasse uma
solução. Agora foi a vez do morador do apartamento 505, Sr. Romeu, perder a
calma. – Quer dizer que vamos ter que
ficar esperando até quando? Temos que
ter uma solução imediata... Não podemos ficar sem água? Pronto o caos
estava instalado e em menos de meia hora praticamente todos os moradores tinham
descido, a maioria para reclamar e alguns para ver do que se tratava toda
aquela confusão. Dr. Leopoldo tentava em vão acalmar a todos, usando o
argumento que estava a caminho um profissional para acertar os estragos e que
ele iria conversar com o dono da obra para que o mesmo permitisse a entrada no
apartamento. No meio de toda aquela confusão adentra pela portaria, o morador
do apartamento 1001, o dono da fatídica obra.
– Bom dia senhores... O que está havendo por aqui? É alguma reunião de
condomínio? Não me lembro de ter
recebido nenhuma convocação. Todos
pararam de falar e se voltaram para ele que por sua vez parecia bem tranquilo
não se dando conta do problema ali discutido e continuou com seu interrogatório
descabido. – Sr. sindico, o Sr. vai me
desculpar, mas aqui na portaria não é lugar para se fazer uma reunião... Dr.
Leopoldo perdeu a paciência e se pós na frente de Nicolau e já ia armar uma
resposta quando os moradores quase que em coro disseram que seria providencial
fazer uma reunião de condomínio e exigindo que o síndico começasse de imediato.
– Mas qual é o assunto tão urgente assim
que não pode esperar? Perguntava Nicolau com sua irreverência irritante. – A sua bendita obra!!! Esbravejaram os
moradores enlouquecidos. O sindico se viu em uma situação difícil e não tendo
outra opção sugeriu que todos se encaminhassem ao salão de festa do prédio para
uma reunião de emergência. – Bem
senhores... Estamos aqui reunidos para tratar de um assunto de grande urgência
para todos e tentar conseguir uma solução de imediato, como se faz necessário. E
mais uma vez Nicolau, parecendo minimizar a questão, interrompeu o discurso do
sindico e se pós a falar. –Queridos
vizinhos não vejo porque tanto tumulto em relação a minha magnífica obra...
Se vocês me derem cinco minutos, posso
explicar tudo como foi feito e o que é preciso fazer para acertar esse pequeno
probleminha e depois se quiserem abro meu palácio para visitação e aposto que
muitos de vocês vão até querer me contratar para reformular seus apartamentos.
Agora foi a vez do sindico interromper e quase gritando pedir para que Nicolau
se sentasse e deixasse que a reunião continuasse, argumentando que o que ele
estava propondo era um completo absurdo. Porém os condóminos levantaram quase
de uma só vez e aclamaram para que Nicolau continuasse com suas explicações e o
sindico não teve outra saída a não ser conceder a palavra ao morador que
continuou sua oratória, agora mais fortalecido. –Bem senhores, minha obra é uma arte da arquitetura... Tudo bem... Reconheço
que causei alguns problemas, mas que são fáceis de serem solucionados. É só
concertar os canos da coluna do prédio, que foram acidentalmente furados...
O morador do apartamento 901 deu um grito de pura ira dizendo que Nicolau
estava sendo irônico e não estava dando a devida importância ao assunto, mais
foi quase que agredido pelas mulheres que queriam escutar tudo sobre a tão
fantástica obra de Nicolau. E ele continuou falando por mais uma meia hora,
dizendo que as inovações valiam a pena o transtorno causado e ofereceu a quem
quisesse ver seu apartamento para verificar de perto as belezas que foram
feitas. Debaixo de muitos protestos dos maridos que queriam providências
imediatas para resolver a questão da impossibilidade de ligar a água do prédio,
as mulheres partiram em retiradas seguindo Nicolau para verem seu apartamento e
ficaram encantadas com as modificações, esquecendo do problema que estavam
enfrentando com a falta da água. Após uns quarenta minutos, voltaram na maior
animação, todas querendo copiar as modificações feitas, pelo agora ídolo das
moradoras, ilustríssimo Sr. Nicolau. Ao chegarem ao salão, os homens estavam em
polvorosa, discutindo com o sindico que não sabia mais o que fazer para
acalmá-los. – A obra está fantástica, o Sr. Nicolau é mesmo um inovador! Fugiu a
todos os padrões... Vou querer fazer igual lá em casa... A moradora do
apartamento 801 foi a primeira a entrar no salão mostrando seu encantamento com
o que viu e logo teve seu discurso apoiado pelas demais mulheres. –Mas isso é um absurdo... Esbravejou um
dos maridos inconformado com a mulher. –
Você está maluca? Não vou fazer obra nenhuma, quero resolver o problema da água
que não pode ser ligada por causa do estrago feito por esse inconsequente. Todos
os homens o seguiram, mas foram abafados pelas mulheres que estavam sendo
lideradas por Nicolau que pediu a palavra, que foi dada tendo em vista o
entusiasmo das mulheres que lhe apoiavam, ficando os maridos sem ter outra
opção a não ser deixá-lo falar. –Senhores,
como podem ver as senhoras adoraram minhas inovações. Os estragos podem
perfeitamente serem resolvidos como já coloquei e tudo ficará bem... Agora
foi a vez do sindico de manifestar, - E
quem vai arcar com o custo? As coisas não são tão simples assim como o Sr. quer
fazer parecer... Nicolau tomou de assalto a palavra antes que os demais
pudessem ter a oportunidade de se colocar do lado do sindico. – O condomínio naturalmente... Foi um
alvoroço e quase saiu tapa se não fosse a moradora do apartamento 701 se
colocar na frente de Nicolau para defendê-lo das agressões. – O deixem acabar de falar e vão ver que só
temos a ganhar, por favor, senhores. Muito a contragosto, os homens se
sentaram e escutaram o discurso de Nicolau que falou por cerca de duas horas,
sobre as vantagens que teriam se fizessem as modificações nos apartamentos, que
os imóveis seriam valorizados e que o custo com o conserto na coluna do prédio
seria amplamente compensado. No final metade da platéia parecia convencida, não
só pelas explicações de Nicolau, mas também pelas mulheres que estavam
enlouquecidas pela possibilidade de fazer o que julgavam iria modernizar os
apartamentos. Porém, o síndico que havia deixado praticamente a reunião seguir
por conta própria, se levantou e tomou a palavra, o
que não foi fácil dado a confusão instalada no recinto. – Senhores, senhores... Por favor, um minuto, acho que como síndico,
tenho o direito a palavra. Todos calaram e se colocaram prontos para ouvir.
– O que está sendo falado aqui é um
verdadeiro despropósito... Essas modificações implicam em mudança da estrutura
do prédio, colocando em risco a própria segurança dos senhores... Como sindico
não posso admitir que isso vá para frente... Foi um alvoroço só, as
mulheres gritaram, pularam, puxavam os maridos pelo braço para que falassem
alguma coisa e por fim, estavam com Nicolau suspenso no alto aclamando para que
o síndico fosse deposto e que ele fosse eleito em seu lugar. O síndico tentou
acalmá-las pedindo a ajuda dos maridos, mas não teve jeito, foi destituído do
cargo e Nicolau assumiu de imediato e sua primeira medida foi cobrar uma alta
taxa de condomínio para fazer as obras de reparo da coluna e em seguida
implantou uma taxa de consultoria de obra para quem quisesse suas orientações
para efetuar as loucas alterações nos apartamentos, medida que foi seguida por
quase todos os moradores, pelo menos os casados, tendo em vista que foi
impossível conter a euforia das mulheres que os atormentavam sem parar até que
decidissem a pagar a tal taxa.
Dr. Leopoldo ficou por alguns
meses morando no prédio, mas não suportou a tristeza de ter sido tirado de seu
tão amado cargo de síndico e ainda por cima ter que aturar os desmandos de
Nicolau e resolveu seguir enfim os apelos dos filhos e vendeu seu apartamento.
A venda foi feita para o vizinho do lado que atendendo aos apelos da mulher,
que estava sob as orientações da consultoria de Nicolau, iria juntar os
apartamentos e fazer um jardim de margaridas.
Dr. Leopoldo foi morar em
um pequeno apartamento de quarto e sala em Copacabana, mas todo o dia a tarde
ia dar uma volta pela Tijuca e visitar sua antiga moradia de tantos anos e em
uma dessas tardes ao chegar à frente do prédio quase morrer de susto, pois o
mesmo havia desabado em virtude das obras malucas de Nicolau. O prédio estava cercado
por Bombeiros e pelos moradores que tentavam entender o que aconteceu e quando
viram o antigo síndico ali parado olhando os escombros, só faltaram lhe atirar
pedras dizendo que havia sido praga dele por despeito. O coitado teve que sair
correndo antes que fosse atingindo pela fúria dos moradores e no caminho topou
com Nicolau com a planta do prédio aberta no chão e se perguntando o que havia
dado errado. Dr. Leopoldo se abaixou olhou nos olhos de Nicolau e lhe perguntou
com a mesma ironia de sempre usada por ele, -
Você quer que eu te diga o que deu errado Sr. Nicolau? E no aceno positivo
de Nicolau, Dr. Leopoldo lhe respondeu, -
Não ter lhe dado isso antes. E lhe acertou um soco no meio do nariz o
deixando caído no chão e seguiu enfrente e nunca mais voltou por ali ou soube
notícias de quem quer que fosse.
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