sexta-feira, 25 de julho de 2014

Reunião de Condomínio

Dr. Leopoldo, médico aposentado e exemplar chefe de família, tinha muito orgulho de ocupar o posto de sindico do edifício em que morava há mais de trinta anos. Foi um dos primeiros moradores, tendo sempre feito questão de estar ciente de todas as questões do condomínio e nos últimos dez anos, com intuito de preencher o tempo após ter se aposentado, resolveu se candidatar a sindico tendo sido eleito por unanimidade seguidamente.
Dr. Leopoldo vivia sozinho em um amplo apartamento de quatro quartos na Tijuca, que fez questão de conservar, por mais que seus três filhos tivessem insistido para ele vender e se mudar para um menor, quando ficou viúvo, mas ele dizia que seria bom manter o apartamento grande para quando os filhos viessem lhe visitar com os netos e noras, o que só acontecia no Natal e raramente no dia dos pais e mesmo assim para seu pesar, embora nunca demonstrasse qualquer tipo de insatisfação, nunca dormiam por lá. Depois de alguns anos, os filhos desistiram de tentar fazer com que o pai se mudasse.
As atividades de sindico preenchiam o tempo daquele homem solitário e ainda cheio de energia. Estava sempre à frente de tudo que se passava no prédio, havia conseguido reduzir as contas do condomínio, resolvia qualquer problema a qualquer hora do dia ou da noite, os moradores nunca estiveram tão satisfeitos com um sindico e ele se sentia realizado em suas funções. Tudo corria muito bem até que um novo morador chegou e começou a fazer uma obra interminável causando alguns transtornos.
As reclamações começaram pelo vizinho do apartamento 901 que teve seu quarto inundado por um vazamento da obra do andar de cima. Se isso já era um problema, mais grave ainda ficou pelo fato ter ocorrido às três horas da madrugada não tendo o morador hesitado em bater a porta do sindico em busca de uma solução. - Dr. Leopoldo... Desculpe-me pela hora, mas como pode ver temos um problema, o senhor tem que vir comigo agora... Dizia o morador apontando para si mesmo efusivamente. O sindico que ainda tremia pelo susto de ter sido acordado no meio da madrugada, não entendeu bem o que aquele homem de pijama e completamente molhado fazia em pé a sua porta tentando lhe convencer a ir com ele sabia-se lá pra onde. -Mas o que há de tão grave? O que foi que houve? Habílio, o morador do apartamento 901, não deu chance ao sindico de recuar e o agarrou pelo braço e praticamente o arrastou até seu apartamento, dizendo que ele tinha que ver com sues próprios olhos o que estava acontecendo. Ao chegarem, a água já estava por todo o apartamento, mas já tinha parado de vazar pelo teto do quarto e finalmente o sindico pode entender o desespero do morador que lhe informou que acordou com um jato de água sobre ele e que antes de ter ido acordá-lo tentou por várias vezes, mas sem sucesso, contato com o vizinho de cima. –Estou indo lá agora ver o que se passa... Dr. Leopoldo partiu em direção ao apartamento 1001 seguido pelo Sr. Habílio. Pensou por um momento que não deveria devido à hora, mas não tinha outra solução tinha que tocar a campainha, blim blom... - Boa noite, a que devo a honra da visita? Querem entrar? O morador do apartamento 1001 atendeu a porta, enrolado em uma toalha, comendo um enorme sanduiche e nem parecia que estava no meio da madrugada, dado a naturalidade com que recebeu seus visitantes. O sindico pediu desculpas e explicou o que estava acontecendo e que precisava de autorização para verificar se havia algum problema com a obra que pudesse ter causado o vazamento. Nicolau, era o nome do morador do apartamento 1001, olhou por cima do ombro do sindico e deu de cara com Habílio de pijamas ainda molhado e imaginou que deveria ser seu vizinho de baixo e caiu na gargalhada, - Hahahaha..., nossa eu te acordei? Desculpe... Pelo visto não deu muito certo. Habílio que já estava com os nervos à flor da pele e sem entender qual era a graça, quase partiu para cima do vizinho com um belo soco se não fosse o sindico ter intervindo. – Tá rindo do que? Não tem graça nenhuma... Nicolau percebeu sua inconveniência, pediu desculpas e os convidou para entrarem para que pudessem ver do que estava falando e os o dois o seguiram até o banheiro. – Como os senhores podem ver, eu fiz uma pequena obra. Mudei alguns cômodos de lugar... troquei o banheiro com o quarto, à sala com a cozinha... E agora estava acabando de testar o banheiro, com meu primeiro banho e ia começar a testar minha cozinha nova. Querem um cafezinho?... O sindico perplexo, olhava para Nicolau que estava na maior calma do mundo e o interrompeu bruscamente, deixando de lado sua calma e cordialidade de sempre. - Não se atreva a abrir mais nenhuma torneira desse apartamento ou terei que tomar medidas legais contra o senhor. Vamos esperar amanhecer o dia para ver o que vamos fazer para consertar os estragos causados por essa sua obra desastrosa... Nicolau passou da aparente tranquilidade para a hostilidade e foi partindo para cima do sindico e do vizinho do andar de baixo os colocando para fora do apartamento. – Escuta aqui o Sr. Sindico, na minha casa mando eu entendeu?  O Sr. manda é no prédio, no meu apartamento não! Ninguém vai entrar aqui para dizer o que eu tenho ou não que fazer com minha obra, que está um espetáculo... E quer saber do que mais? Vou continuar testando todas as torneiras, que por sinal são lindas e me custaram uma fortuna. Dr. Leopoldo e Habílio ficaram estupefatos do lado de fora sentindo o trepidar da porta batida com violência. – E agora Dr. Leopoldo, o Sr. Não vai fazer nada? Esse louco vai destruir meu apartamento e os dos andares de baixo também se continuar a jorrar essa água toda em limites... O morador do apartamento 901 estava aos berros no corredor e o sindico tentou acalmá-lo antes que acordasse todo o prédio, dizendo que fosse para casa que providências imediatas seriam tomadas e assim Habílio foi para seu apartamento, embora contrariado e desconfiado, cuidar de secar toda aquela água.
Antes das sete horas da manhã o interfone do sindico começou a tocar, o que ele já esperava que fosse acontecer. – Bom dia, Dr. Leopoldo, é o Valdemar..., era o porteiro da manhã, - Dr. tem um monte de morador aqui na portaria reclamando que não tem água no prédio... Eu disse a eles que o Sr. Mandou fechar, devido a um probleminha, mas eles querem saber quando é que vai abrir. Eu já não sei mais o que fazer, cada hora chega mais um aqui... O sindico respirou fundo e pediu ao porteiro para avisar que ele já ia descer. – Calma minha gente que o Dr. já está descendo aí...
- Bom dia senhores, parece que temos um contratempo... Os moradores estavam enfurecidos e se pudessem tinham voado no pescoço do sindico. - Contratempo? O Sr. Chama isso de contratempo? Tenho que trabalhar e não pude nem escovar os dentes... Não tem água nos banheiros, na cozinha...  Como o Sr. fecha tudo dessa maneira sem avisar? D. Marlene moradora do apartamento 201 era uma das mais exaltadas e por mais que o marido, Sr. Ernesto, tentasse fazê-la se acalmar e escutar as explicações do sindico não adiantava ela continuava a gritar. Dr. Leopoldo, parecendo refeito do susto da madrugada e de posse de sua calma e cordialidade de sempre, esperou que a senhora em questão acabasse com seu desabafo e explicou o que estava acontecendo e disse que não lhe restou outra opção a não ser fechar a água até que se encontrasse uma solução. Agora foi a vez do morador do apartamento 505, Sr. Romeu, perder a calma. – Quer dizer que vamos ter que ficar esperando até quando? Temos que ter uma solução imediata... Não podemos ficar sem água? Pronto o caos estava instalado e em menos de meia hora praticamente todos os moradores tinham descido, a maioria para reclamar e alguns para ver do que se tratava toda aquela confusão. Dr. Leopoldo tentava em vão acalmar a todos, usando o argumento que estava a caminho um profissional para acertar os estragos e que ele iria conversar com o dono da obra para que o mesmo permitisse a entrada no apartamento. No meio de toda aquela confusão adentra pela portaria, o morador do apartamento 1001, o dono da fatídica obra.     – Bom dia senhores... O que está havendo por aqui? É alguma reunião de condomínio?  Não me lembro de ter recebido nenhuma convocação.  Todos pararam de falar e se voltaram para ele que por sua vez parecia bem tranquilo não se dando conta do problema ali discutido e continuou com seu interrogatório descabido. – Sr. sindico, o Sr. vai me desculpar, mas aqui na portaria não é lugar para se fazer uma reunião... Dr. Leopoldo perdeu a paciência e se pós na frente de Nicolau e já ia armar uma resposta quando os moradores quase que em coro disseram que seria providencial fazer uma reunião de condomínio e exigindo que o síndico começasse de imediato. – Mas qual é o assunto tão urgente assim que não pode esperar? Perguntava Nicolau com sua irreverência irritante. – A sua bendita obra!!! Esbravejaram os moradores enlouquecidos. O sindico se viu em uma situação difícil e não tendo outra opção sugeriu que todos se encaminhassem ao salão de festa do prédio para uma reunião de emergência. – Bem senhores... Estamos aqui reunidos para tratar de um assunto de grande urgência para todos e tentar conseguir uma solução de imediato, como se faz necessário. E mais uma vez Nicolau, parecendo minimizar a questão, interrompeu o discurso do sindico e se pós a falar. –Queridos vizinhos não vejo porque tanto tumulto em relação a minha magnífica obra... Se vocês me derem cinco minutos, posso explicar tudo como foi feito e o que é preciso fazer para acertar esse pequeno probleminha e depois se quiserem abro meu palácio para visitação e aposto que muitos de vocês vão até querer me contratar para reformular seus apartamentos. Agora foi a vez do sindico interromper e quase gritando pedir para que Nicolau se sentasse e deixasse que a reunião continuasse, argumentando que o que ele estava propondo era um completo absurdo. Porém os condóminos levantaram quase de uma só vez e aclamaram para que Nicolau continuasse com suas explicações e o sindico não teve outra saída a não ser conceder a palavra ao morador que continuou sua oratória, agora mais fortalecido. –Bem senhores, minha obra é uma arte da arquitetura... Tudo bem... Reconheço que causei alguns problemas, mas que são fáceis de serem solucionados. É só concertar os canos da coluna do prédio, que foram acidentalmente furados... O morador do apartamento 901 deu um grito de pura ira dizendo que Nicolau estava sendo irônico e não estava dando a devida importância ao assunto, mais foi quase que agredido pelas mulheres que queriam escutar tudo sobre a tão fantástica obra de Nicolau. E ele continuou falando por mais uma meia hora, dizendo que as inovações valiam a pena o transtorno causado e ofereceu a quem quisesse ver seu apartamento para verificar de perto as belezas que foram feitas. Debaixo de muitos protestos dos maridos que queriam providências imediatas para resolver a questão da impossibilidade de ligar a água do prédio, as mulheres partiram em retiradas seguindo Nicolau para verem seu apartamento e ficaram encantadas com as modificações, esquecendo do problema que estavam enfrentando com a falta da água. Após uns quarenta minutos, voltaram na maior animação, todas querendo copiar as modificações feitas, pelo agora ídolo das moradoras, ilustríssimo Sr. Nicolau. Ao chegarem ao salão, os homens estavam em polvorosa, discutindo com o sindico que não sabia mais o que fazer para acalmá-los.  – A obra está fantástica, o Sr. Nicolau é mesmo um inovador! Fugiu a todos os padrões... Vou querer fazer igual lá em casa... A moradora do apartamento 801 foi a primeira a entrar no salão mostrando seu encantamento com o que viu e logo teve seu discurso apoiado pelas demais mulheres. –Mas isso é um absurdo... Esbravejou um dos maridos inconformado com a mulher. – Você está maluca? Não vou fazer obra nenhuma, quero resolver o problema da água que não pode ser ligada por causa do estrago feito por esse inconsequente. Todos os homens o seguiram, mas foram abafados pelas mulheres que estavam sendo lideradas por Nicolau que pediu a palavra, que foi dada tendo em vista o entusiasmo das mulheres que lhe apoiavam, ficando os maridos sem ter outra opção a não ser deixá-lo falar. –Senhores, como podem ver as senhoras adoraram minhas inovações. Os estragos podem perfeitamente serem resolvidos como já coloquei e tudo ficará bem... Agora foi a vez do sindico de manifestar, - E quem vai arcar com o custo? As coisas não são tão simples assim como o Sr. quer fazer parecer... Nicolau tomou de assalto a palavra antes que os demais pudessem ter a oportunidade de se colocar do lado do sindico. – O condomínio naturalmente... Foi um alvoroço e quase saiu tapa se não fosse a moradora do apartamento 701 se colocar na frente de Nicolau para defendê-lo das agressões. – O deixem acabar de falar e vão ver que só temos a ganhar, por favor, senhores. Muito a contragosto, os homens se sentaram e escutaram o discurso de Nicolau que falou por cerca de duas horas, sobre as vantagens que teriam se fizessem as modificações nos apartamentos, que os imóveis seriam valorizados e que o custo com o conserto na coluna do prédio seria amplamente compensado. No final metade da platéia parecia convencida, não só pelas explicações de Nicolau, mas também pelas mulheres que estavam enlouquecidas pela possibilidade de fazer o que julgavam iria modernizar os apartamentos. Porém, o síndico que havia deixado praticamente a reunião seguir por conta própria, se levantou e tomou a palavra, o que não foi fácil dado a confusão instalada no recinto. – Senhores, senhores... Por favor, um minuto, acho que como síndico, tenho o direito a palavra. Todos calaram e se colocaram prontos para ouvir. – O que está sendo falado aqui é um verdadeiro despropósito... Essas modificações implicam em mudança da estrutura do prédio, colocando em risco a própria segurança dos senhores... Como sindico não posso admitir que isso vá para frente... Foi um alvoroço só, as mulheres gritaram, pularam, puxavam os maridos pelo braço para que falassem alguma coisa e por fim, estavam com Nicolau suspenso no alto aclamando para que o síndico fosse deposto e que ele fosse eleito em seu lugar. O síndico tentou acalmá-las pedindo a ajuda dos maridos, mas não teve jeito, foi destituído do cargo e Nicolau assumiu de imediato e sua primeira medida foi cobrar uma alta taxa de condomínio para fazer as obras de reparo da coluna e em seguida implantou uma taxa de consultoria de obra para quem quisesse suas orientações para efetuar as loucas alterações nos apartamentos, medida que foi seguida por quase todos os moradores, pelo menos os casados, tendo em vista que foi impossível conter a euforia das mulheres que os atormentavam sem parar até que decidissem a pagar a tal taxa.
Dr. Leopoldo ficou por alguns meses morando no prédio, mas não suportou a tristeza de ter sido tirado de seu tão amado cargo de síndico e ainda por cima ter que aturar os desmandos de Nicolau e resolveu seguir enfim os apelos dos filhos e vendeu seu apartamento. A venda foi feita para o vizinho do lado que atendendo aos apelos da mulher, que estava sob as orientações da consultoria de Nicolau, iria juntar os apartamentos e fazer um jardim de margaridas.

Dr. Leopoldo foi morar em um pequeno apartamento de quarto e sala em Copacabana, mas todo o dia a tarde ia dar uma volta pela Tijuca e visitar sua antiga moradia de tantos anos e em uma dessas tardes ao chegar à frente do prédio quase morrer de susto, pois o mesmo havia desabado em virtude das obras malucas de Nicolau. O prédio estava cercado por Bombeiros e pelos moradores que tentavam entender o que aconteceu e quando viram o antigo síndico ali parado olhando os escombros, só faltaram lhe atirar pedras dizendo que havia sido praga dele por despeito. O coitado teve que sair correndo antes que fosse atingindo pela fúria dos moradores e no caminho topou com Nicolau com a planta do prédio aberta no chão e se perguntando o que havia dado errado. Dr. Leopoldo se abaixou olhou nos olhos de Nicolau e lhe perguntou com a mesma ironia de sempre usada por ele, - Você quer que eu te diga o que deu errado Sr. Nicolau? E no aceno positivo de Nicolau, Dr. Leopoldo lhe respondeu, - Não ter lhe dado isso antes. E lhe acertou um soco no meio do nariz o deixando caído no chão e seguiu enfrente e nunca mais voltou por ali ou soube notícias de quem quer que fosse.

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